DIREITO MÉDICO – VAIDADE- PLÁSTICA SEM BISTURI

DIREITO MÉDICO – VAIDADE- PLÁSTICA SEM BISTURI

O final do século XX e o início do século XXI estão sendo marcados por um preocupante fenômeno social: a obsessão pelo culto ao corpo. É notória a associação cada vez maior entre “corpo e prestígio”, o que o transforma em uma espécie de “capital físico” e que, em parte, justifica a grande procura por cirurgias plásticas e procedimentos estéticos em nosso país.

Mas esse é apenas o lado “romântico” do fenômeno social acima descrito. O “lado negro” desse fenômeno é o expressivo aumento de cirurgias plásticas e procedimentos estéticos malsucedidos, que vem vitimando um alarmante número de mulheres. Somente nos últimos 10 (dez) dias, foram dois casos (divulgados) pela imprensa, semelhantes no modus operandi e que causaram o óbito de duas mulheres no Estado do Rio de Janeiro.

Trata-se da chamada bioplastia, um procedimento não cirúrgico, por meio do qual são utilizadas substâncias de preenchimento, tais como o hidrogel e o polimetilmetacrilato, também conhecido como PMMA, um derivado do acrílico, para remodelar áreas da face e do corpo, em especial o “bumbum” o qual que tem sido muito utilizado por mulheres atraídas pela falsa ideia da “plástica sem bisturi e de resultados imediatos”.

Extrai-se, dos casos dessa natureza uma evidente banalização da vida e o descomprometimento da sociedade com os efeitos que podem advir de tais procedimentos, não recomendados para finalidades estéticas e muito pontualmente utilizados na cirurgia plástica e que, por isso mesmo, exigem uma série de cuidados para serem utilizados, sendo o mais básico deles, a antissepsia do local de aplicação, o que, na maioria dos casos, não ocorre.

Denota-se, portanto, que estamos diante de uma “doença social”, que merece uma ampla discussão com os órgãos estatais responsáveis pela regulamentação das atividades ligadas à cirurgia plástica e à estética, não somente sob o que vem a ser um ou outro tipo de procedimento, mas, sobretudo, para que possíveis futuras vítimas, muitas vezes seduzidas por falsas promessas, estejam devidamente conscientes sobre as graves consequências que a falta de informação pode causar.

É sabido que várias razões de ordem psicológica podem explicar os motivos pelos quais uma pessoa decide realizar um procedimento cirúrgico ou estético, o que é bastante salutar para a autoestima de quem assim o faz. 

Por outro lado, o que se pretende trazer à reflexão é o que vem causando esse aumento expressivo de vítimas de profissionais não qualificados e ainda, como seria possível mudar esse quadro por meio das garantias previstas na Constituição Federal e nas normas legais.

A prática de cirurgia plástica estética é uma especialidade única, indivisível e como tal, deve ser exercida por médico devidamente qualificado (profissional regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina, com o título de especialista obtido pela Residência Médica, credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica ou em prova específica da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), utilizando técnicas habituais reconhecidas cientificamente.

Portanto, a formação do especialista cirurgião plástico exige 6 (seis) anos de graduação no curso de Medicina, a formação em cirurgia geral por mais 2 (dois) anos e mais 3 (três) anos em referida especialidade, somando, no mínimo, 11 anos de formação.

No tocante aos direitos das pessoas que se submetem a tais procedimentos, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, assim os garante, ressalvados os atos de disposição do próprio corpo, os quais só poderão ocorrer mediante expressa recomendação médica, conforme estabelece a norma contida no caput do art. 13 do Código Civil Brasileiro.

Não entraremos no mérito se as cirurgias ocorridas nos últimos dias geraram aos médicos obrigações de meio ou de resultado, porque este realmente não é o nosso objetivo. À guisa de elucidação apenas, há uma importante divergência entre o Conselho Federal de Medicina e o Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, para aquele, trata-se de uma obrigação de meio e para o Tribunal, de resultado.

O que se pretende esclarecer, contudo, é que, na esfera civil, esse tipo de conduta é regulamentado pela regra geral da responsabilidade civil subjetiva, conforme preceituam tanto o art. 186, do Código Civil, como o art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, baseados na comprovação da culpa do médico, o qual será chamado a responder pelos danos morais decorrentes do óbito da paciente, caso haja a comprovação de sua culpa, em quaisquer de suas modalidades – imprudência, imperícia ou negligência -, evidenciado o desrespeito ao dever de cuidado objetivamente devido e que torna, portanto, sua conduta ilícita.

Na esfera penal, o médico que, comprovadamente, causar a morte de pacientes nas mesmas condições das vítimas de cirurgias realizadas nesse mesmo contexto fático, poderá responder por homicídio culposo (art. 121, § 3º, Código Penal) que em sua figura genérica prevê pena de até 3 anos, sem prejuízo de também de responder pelo crime do art. 288, do Código Penal, que trata do crime de exercício ilegal da medicina, uma infração de menor potencial ofensivo, cuja reavaliação dessa característica é de imperiosa urgência pelo legislador, dada a gravidade e efeitos nefastos da conduta em questão.

Há pouco tempo, uma paciente teria sido submetida ao procedimento da bioplastia na residência do médico, supostamente por não ser especialista, sem qualquer condição de suportar os riscos de uma complicação, fato que se comprovado poderia cassar o registro no Conselho Regional de Medicina do Estado onde o fato ocorreu.

Mas o que estimula esse consumo exacerbado e irresponsável de procedimentos estéticos?

A autopromoção pessoal de supostos “especialistas em medicina estética”, terminologia esta que nem é considerada como uma das 57 (cinquenta e sete) especialidades médicas regulamentadas é o impulso que a vaidade precisa para se transformar em arma letal e, de fato, o que se nota é uma ostentação de diversos procedimentos estéticos a serem realizados por profissionais não especializados, que prometem resultados rápidos, milagrosos e a baixo custo.

Essa autopromoção é vedada e divulgar-se como um especialista, sem que tenha realizado residência que lhe confira o respectivo título, constitui infração ética e estelionato.

Razões não há, portanto, para se ignorar que a vida humana deve ser preservada e que absolutamente nada é capaz de se sobrelevar a ela. O valor de um ser humano é muito maior e mais complexo de se analisar do que um rosto sem rugas ou um corpo perfeito

ROSANA FIGUEIREDO LINO

Rabelo & Figueiredo Lino

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